quinta-feira, 4 de outubro de 2012

porque nunca olhei nos seus olhos

Há uma casa, pequena, dois cômodos apenas. Móveis antigos, muito antigos, rabiscos na parede, alguns são desenhos, outros apenas rabiscos, e palavras, algumas conversas, e-mails antigos, muitos livros, todos empoeirados, a maioria pocket por serem mais baratos, todos eles amontoados entre as roupas velhas jogadas pelo chão da velha casa. 
Muito velha casa, que já foi a casa de algumas pessoas, houve dois moradores uma vez. Dessa época, restaram algumas manchas de sangue na parede, vidros quebrados nas janelas, colados com fita adesiva, nenhuma lembrança, mas algumas coisas queimadas. Um velho poema de amor, peças de teatro nunca assistidas, segredos íntimos de família, uma carteira de identidade, e uma menina linda e muito amada, chamada Sophie
Todos queimados e trancados no porão.
Há também um porão, ou havia, ele se perdeu da memória e  por isso é como se jamais tivesse existido. 
Houve uma vez três amigos, nesta época havia muito vinho, alguma cerveja e as pessoas que passavam em frente à casa podiam ouvir as músicas do Radiohead, às vezes Los Hermanos, que talvez parecessem tristes, mas ali, e talvez só ali, eram alegres e acompanhadas de dança e sorrisos. Não houve muito mais do que isso, ficou apenas um DVD de formatura, um livro do Dostoiévski, acho que era Crime e Castigo e duas fitas de renda, uma laranja outra cor-de-rosa.
Logo depois vieram as cores, todas as cores em nós e passaram, ficaram por pouco tempo e passaram. As portas, que já estavam fechadas quando as cores chegaram, foram trancadas e suas chaves esquecidas, perdidas no meio da mobília, da sujeira e dos livros.

Uma casa de passagem, uma casa de um só morador, que carrega a casa nas costas e passa.

Por ser interminável sua passagem todos que entraram também passaram, e por isso, e só por isso, ninguém mais conseguiu entrar.

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