sábado, 12 de fevereiro de 2011

CAÍ NO MUNDO E NÃO SEI COMO VOLTAR


Eduardo Galeano

O que acontece comigo é que não consigo andar pelo mundo pegando coisas e
trocando-as pelo modelo seguinte só por que alguém adicionou uma nova função
ou a diminuiu um pouco.?

Não faz muito, com minha mulher, lavávamos as fraldas dos filhos,
pendurávamos na corda junto com outras roupinhas, passávamos, dobrávamos e
as preparávamos para que voltassem a serem sujadas.
E eles, nossos nenês, apenas cresceram e tiveram seus próprios filhos se
encarregaram de atirar tudo fora, incluindo as fraldas. Se entregaram,
inescrupulosamente, às descartáveis!

O que o celular a cada três meses ou o monitor do computador por todas as
novidades. Guardo os copos descartáveis! Lavo as luvas de látex que eram para usar uma
só vez. Os talheres de plástico convivem com os de aço inoxidável na gaveta dos
talheres! É que venho de um tempo em que as coisas eram compradas para toda
a vida!

É mais! Se compravam para a vida dos que vinham depois! A gente herdava
relógios de parede, jogos de copas, vasilhas e até bacias de louça.

Nos estão incomodando! Eu descobri! Fazem de propósito! Tudo se lasca, se
gasta, se oxida, se quebra ou se consome em pouco tempo para que possamos
trocar.
Nada se arruma. O obsoleto é de fábrica.
Aonde estão os sapateiros fazendo meia-solas dos tênis Nike? Alguém viu algum colchoeiro encordoando colchões, casa por casa? Quem arruma as facas elétricas? o afiador o  eletricista? Haverá teflon para os funileiros ou assentos de aviões para os talabarteiros?

Tudo se joga fora, tudo se descarta e, entretanto, produzimos mais e mais e
mais lixo. Outro dia, li que se produziu mais lixo nos últimos 40 anos que
em toda a história da humanidade.
Quem tem menos de 30 anos não vai acreditar: quando eu era pequeno, pela minha casa não passava o caminhão que recolhe o lixo! Eu juro! E tenho menos de ... anos! Todos os descartáveis eram orgânicos e iam parar no galinheiro, aos patos ou aos coelhos (e não estou falando do século XVII). Não existia o plástico, nem o nylon. A borracha só víamos nas rodas dos autos e, as que não estavam rodando, as queimávamos na Festa de São João. Os poucos descartáveis que não eram comidos pelos animais, serviam de adubo ou se
queimava.

Minha cabeça não resiste tanto. Agora, meus parentes e os filhos de meus amigos não só trocam de celular uma vez por semana, como, além disto, trocam o número, o endereço eletrônico e, até, o endereço real.
E a mim que me prepararam para viver com o mesmo número, a mesma mulher, a
mesma e o mesmo nome (e vá que era um nome para trocar). Me educaram para guardar tudo. Tuuuudo! O que servia e o que não servia. Por que, algum dia, as coisas poderiam voltar a servir.

Como querem que entenda a essa gente que se descarta de seu celular a poucos meses de o comprar? Será que quando as coisas são conseguidas tão facilmente, não se valorizam e se tornam descartáveis com a mesma facilidade com que foram conseguidas?
Eu sei o que nos acontecia: nos custava muito declarar a morte de nossos objetos. Assim como hoje as novas gerações decidem matá-los tão-logo aparentem deixar de ser úteis, aqueles tempos eram de não se declarar nada morto: nem a Walt Disney!!!
E me mordo para não fazer um paralelo entre os valores que se descartam e os que preservávamos. Ah!!! Não vou fazer!!!
Morro por dizer que hoje não só os eletrodomésticos são descartáveis; também o matrimônio e até a amizade são descartáveis. Mas não cometerei a imprudência de comparar objectos com pessoas.

Esta só é uma crônica que fala de fraldas e de celulares. Do contrário, se misturariam as coisas, teria que pensar seriamente em entregar à bruxa, como parte do pagamento de uma senhora com menos quilômetros e alguma função nova. Mas, como sou lento para transitar este mundo da reposição e corro o risco de que a bruxa me ganhe a mão e seja eu o entregue...

* Jornalista e escritor uruguaio

2 comentários: